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Ideia de Allan Kardec sobre identidade dos espíritos foi distorcida no Brasil

(Por Demétrio Correia)

Uma declaração de Allan Kardec, possivelmente datada se interpretada ao pé da letra, foi muito mal interpretada no Brasil.

É a suposição de que o espírito, ao se evoluir, perderia as caraterísticas distintivas de sua personalidade.

Kardec disse isso com as seguintes palavras, sobre a identidade dos espíritos, extraídas de O Livro dos Médiuns:

"À medida que os Espíritos se purificam e se elevam na hierarquia, as características distintivas de sua personalidade desaparecem, de certa maneira, na uniformidade da perfeição, mas nem por isso deixam eles de conservar a sua individualidade".

Ou então:

"Mas em muitos casos a questão da identidade absoluta é secundária e desprovida de importância real".

A interpretação bruta da mensagem kardeciana fez a festa dos deturpadores "espíritas".

Supostos médiuns com falta de concentração podiam escrever mensagens da própria mente, atribuir aos mortos de sua escolha e passaram imunes a isso.

Se a mensagem "espiritual" escapava dos estilos pessoais dos espíritos alegados, havia desculpa para tudo.

Uma, a de que o espírito passou a expressar a "linguagem universal do amor".

Outra, a de que o espírito "entrou em sintonia" com os pensamentos "nobres" do "médium", tidos como "sempre voltados para a ação do bem".

Outra mais adiante, a de que o espírito "doou seu estilo para a caridade".

Ou, mais em frente, há a falácia de que o estilo e os aspectos pessoais humanos são meros atributos terrenos que desaparecem no óbito.

Há até mesmo uma falácia conhecida, armada por Francisco Cândido Xavier e o presidente da FEB, Antônio Wantuil de Freitas.

Processados pelos familiares de Humberto de Campos em 1944, Chico Xavier e Wantuil resolveram escrever, em quatro mãos, a mensagem atribuída ao autor maranhense a seus familiares.

Facilmente de ser identificado como uma mistura de estilos de Chico e Wantuil, a mensagem conta com esta declaração insólita oficialmente atribuída ao espírito de Humberto:

"(...) Exigem meus filhos a minha patente literária e, para isso, recorrem à petição judicial. Não precisavam, todavia, movimentar o exército dos parágrafos e atormentar o cérebro dos juízes. Que é semelhante reclamação para quem já lhes deu a vida da sua vida? Que é um nome, simples ajuntamento de sílabas, sem maior significação? Ninguém conhece, na Terra, os nomes dos elevados cooperadores de Deus, que sustentam as leis universais; entretanto são elas executadas sem esquecimento de um til".

Em seguida, uma frase que não há como não reconhecer o mesmíssimo estilo pessoal dos depoimentos de Chico Xavier que são usados nas memes religiosas nas redes sociais:

"Na paz do anonimato, realizam-se os mais belos e os mais nobres serviços humanos".

As frases citadas pelo pedagogo de Lyon são bem intencionadas, mas sujeitas a debate e questionamento.

Lembremos que Allan Kardec escreveu seus livros no século XIX.

Nela a vida humana não tinha a complexidade que se tem hoje e a tecnologia era incipiente. Mal se tinha a fotografia e o tipógrafo como meios de comunicação.

As técnicas de reprodução do som só teriam surgido após a morte de Kardec.

Ele se esforçou para manter o máximo de contemporaneidade de suas ideias, mas ele mesmo teve consciência de que vivia num tempo que seria drasticamente mudado depois.

Coerente, ele disse que, se a Ciência mostrar alguma ideia que contrariasse o que ele escreveu nos livros espíritas, que se prevalecesse o dado científico.

Kardec admitia que poderia ser questionado (algo muito diferente dos "médiuns espíritas" brasileiros, que definem qualquer questionamento como "maledicência"), desde que sob o rigor da lógica.

A questão da "perda de aspectos distintivos da personalidade" é discutível, até pelo fato de que o mundo espiritual, mesmo com existência plausível, é ainda um mistério.

Depois de Kardec, novas necessidades e questões humanas surgiram, cresceram e se tornaram complexas.

Além disso, as relações sociais também podem se inserir nos aspectos distintivos da personalidade, assim como outros aspectos peculiares.

Mesmo diante de tais declarações, Kardec disse que o espírito nunca perderia a individualidade.

Pelo menos isso é um conceito perene.

Mas os "espíritas" brasileiros nem ligam para isso.

Obras "mediúnicas" que não refletem a identidade pessoal do morto alegado, mas o estilo pessoal do "médium", se deixam passar por verídicas, apenas pelas "mensagens positivas".

Nota-se, no caso do baiano José Medrado, a disparidade do "Francisco de Assis" do suposto espírito Portinari que ele difundiu com a homônima obra que o próprio Portinari lançou em vida.

Será que falhas de identidade podem ser aceitas sob o pretexto do "pão dos pobres"?

A interpretação leviana das frases de Kardec fez a festa dos supostos médiuns que, sem o menor escrúpulo, praticam crime de falsidade ideológica.

Atribuem a personalidades mortas mensagens e obras que os "médiuns" criam da própria mente. Isso se deixa claro, pelo resultado observado, que pouco ou nada diz do estilo pessoal de cada morto.

Isso é falsidade ideológica. Será que isso pode ser aceito porque "contém palavras de amor" e se volta ao "trabalho do bem"? Pensar desta forma é uma grande leviandade e vai contra a real essência do Espiritismo.

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