(Por Demétrio Correia)
O wishful thinking é uma doença psicológica muito comum no Brasil.
É a mania das pessoas verem a realidade de acordo com seus desejos.
Em outras palavras, a realidade para elas não é aquilo que realmente é, mas de acordo com o que gostariam que ela fosse.
É a obsessão em ver a realidade de acordo com suas vontades pessoais, o que é muito perigoso.
Desilusões e traições atingem facilmente essas pessoas, que nunca estão preparadas para aspectos que não lhes são agradáveis.
No que se diz aos gostos culturais, os internautas das redes sociais criam uma verdadeira gororoba de conceitos e ideias contraditórios.
Temos roqueiros e pobres de direita, temos feministas defendendo mulheres-objeto ou namorando feminicidas que deixaram a cadeia.
Temos negros racistas contra si mesmos, trabalhadores se mobilizando para a redução do salário mínimo, reacionários com aparência de surfista, rapper, hippie e até punk.
Temos gente que se jura democrática e pede a volta da ditadura militar. E patriotas que querem que o Brasil entregue suas próprias riquezas às corporações estrangeiras.
Por outro lado, temos esquerdistas de mentalidade confusa, defendendo ídolos do entretenimento patrocinados pela Rede Globo, o veículo midiático símbolo da centro-direita.
Na religião, vemos alguns incautos - ou não seriam idiotas? - que se dizem esquerdistas e "espíritas" (da linha brasileira, chiquista-divaldista, mesmo) ao mesmo tempo.
São incoerentes e apreciam a religião mais incoerente do Brasil.
Eles são tomados da obsessão (sim, obsessão) de que o "espiritismo" é "de esquerda" como eles.
Se aborrecem quando alguém lhes aponta um "médium espírita" posando ao lado, em clima de cumplicidade, com um político ou celebridade de direita.
Recorrem à velha mania: atribuir atitudes desagradáveis ou equivocadas dos "médiuns" aos obsessores ou à manipulação de terceiros, como se os "médiuns" não pudessem adotar, com propósito, decisão própria e sem escrúpulos ou remorsos, decisões e posições sombrias.
Os "médiuns" podem e adotam essas posições, queiram ou não queiram seus fanáticos seguidores.
Infelizmente, o wishful thinking é uma obsessão dos fãs dos "médiuns", que moldam as personalidades dos seus ídolos ao agrado de suas fantasias.
Vemos comunistas declarados e esquerdistas convictos iludidos com Francisco Cândido Xavier e similares, achando que eles são "progressistas de verdade".
São movidos por imagens apelativas de crianças pobres sorridentes, bombardeadas na Internet toda vez que se cita um "médium espírita", mesmo quando essas imagens remetem a crianças africanas e foram extraídas de serviços como Getty Images, Shutterstock e Alamy.
Dizem que, no Brasil, se idealiza demais mulher "boazuda" e "médium espírita" aos caprichos ideológicos dos seus admiradores.
Isso é muito grave, porque, enquanto os fãs de Chico Xavier que se dizem esquerdistas sonham de mãos dadas com ele, sobrevoando jardins floridos, a realidade é bem outra.
Se vissem toda a entrevista de Chico Xavier no programa Pinga Fogo, da TV Tupi, em 1971, com vídeo hoje disponível no YouTube, teriam caído da cama depois de tanto sonhar com ele.
Chico defendia abertamente a ditadura militar, então em sua fase mais repressiva, e disparava ataques verbais a operários, camponeses e sem-teto.
Não há como dizer que Chico foi manipulado ou tivesse más influências, porque aí ele não estaria sendo sincero.
Seria preciso muita ginástica mental para argumentar que aquilo foi obra de algum "ponto" (microfone colocado numa pessoa para ela ouvir recados do diretor de um programa).
O mesmo caso em relação a Divaldo Franco com a homenagem ao prefeito de São Paulo, o direitista e elitista João Dória Jr..
Não há lógica que sustente a idealização sonhadora dos fãs em relação aos seus ídolos "médiuns".
Se fulano é de esquerda e se diz espírita e não gosta de ouvir que os "médiuns" estão associados a posições de direita, paciência.
Nem tudo na realidade é como as pessoas gostariam que fosse. Há muita fantasia nas redes sociais, até porque as pessoas ficam em casa isoladas no computador ou celular.
Com isso, essas pessoas perdem o contato com a realidade e são capazes de criar páginas na Internet ofendendo os outros apenas porque estes pensam diferente daquelas.
Tomados de fúria com a realidade que lhes mostra, essas pessoas reproduzem até obras e acervos pessoais de seus desafetos, com o fim de ridicularizá-los.
Fazem o maior burburinho porque não admitem que os outros pensem diferente delas.
Esse é um dos efeitos do wishful thinking, quando a realidade parece "trair" as fantasias idealizadoras dos deslumbrados.
O wishful thinking ainda tem seu grave efeito de se impor como "verdade indiscutível", quando há esforços de fabricação de consenso a custa de muitas falácias.
A pós-verdade é o produto dessa idealização doentia, quando compartilhada por um número maior de pessoas que passa a ver a realidade não como é, mas como essas pessoas gostariam que fosse.
A pós-verdade é a ditadura do desejável sobre o real, é a tirania do fantasioso sobre a lógica dos fatos.
Se o wishful thinking se transforma numa "epidemia", corre-se o risco até mesmo de um país se transformar numa ditadura.
Mesmo quando esse pensamento desejoso se traveste de "progressismo" ou "esquerdismo".
Comentários
Postar um comentário