(Por Demétrio Correia)
Em 1957, Humberto de Campos Filho sofreu um assédio moral.
"Como assim? Não foi nesse ano que ele foi a um encontro com Chico Xavier num centro espírita e conheceu suas maravilhosas obras de caridade e amor ao próximo?", perguntaria um desavisado.
Respondemos: "Sim, esse é o assédio moral de que estamos falando".
A pessoa vai cair na cadeira, mas é isso mesmo.
Imagine alguém usurpar a obra de um escritor, no caso o pai de Humberto Filho, sair impune da Justiça e usar um evento "filantrópico" para atrair a confiança da vítima e evitar que ela continue recorrendo em batalhas judiciais.
Estudiosos das técnicas de manipulação da mente humana identificam, no evento "caridoso" do Grupo Espírita da Prece, em Uberaba, focalizando o exemplo de 1957, alguns truques habilidosos.
Um é o "bombardeio de amor", uma forma tendenciosa de demonstrar profundo afeto e estimular o máximo de emotividade e uma ilusão de suposto clima fraternal.
Num país desumano como o Brasil, o "bombardeio de amor", forma mais perigosa de apelo à emoção (tipo de falácia cujo nome latino é Argumentum Ad Passiones), é aceito dentro da perspectiva do ditado "em terra de cego, quem tem um olho é rei".
Afinal, numa terra de desumanidade, o tendencioso e, muitas vezes, falso, apelo do "bombardeio de amor" é sempre visto de forma positiva.
O aparente simulacro da "afeição profunda", o arremedo de "intimidade familiar" que não se encontra sequer em muitas famílias, sempre parece agradável e incapaz de despertar suspeita.
Mas, dentro daquele outro ditado, "é bom demais para ser verdade", podemos, sim, desconfiar disso.
Se em muitas famílias que vivem em intimidade falta aquela afeição profunda e solidária, por que as instituições que forjam uma "afeição extrema" a ponto de causar lágrimas nos visitantes, não podem ser alvo de alguma desconfiança?
Pois o evento do Grupo Espírita da Prece, em si marcado pela "caridade" sensacionalista mas menos eficiente do Assistencialismo, criando burburinho para uma ostensiva caravana que oferece donativos que se esgotam em poucas semanas, teve uma intenção com Humberto de Campos Filho.
É a de dominá-lo e evitar que ele continue recorrendo às sentenças judiciais no caso que envolve as obras supostamente espirituais que usam o nome de Humberto de Campos.
Muito cruel, mas é verdade. Religião é criação de homens, não um presente das estrelas.
O "espiritismo" brasileiro é marcado por uma trajetória que deveria envergonhar, pois nos bastidores há desde corrupção até vaidades estratosféricas.
Além disso, no caso de Chico Xavier, um arrivista que, de um realizador de pastiches literários (em parceria com Antônio Wantuil de Freitas, seu descobridor, e da equipe da revista Reformador, da FEB), há aspectos terrivelmente sombrios em sua biografia.
A "pegadinha" que fez Humberto de Campos Filho ficar complacente com o "bondoso médium" foi na verdade um ato de assédio moral, digamos, um ato de assédio religioso para proteger uma fraude.
Isso porque as obras supostamente espirituais que levam o nome de Humberto de Campos quase nada lembram do estilo original do escritor.
Os "espíritas" tentam enrolar, dizendo que, para analisar melhor essa obra, é preciso antes "analisar as questões mais aprofundadas da mediunidade e do mundo espiritual".
Pausa para risadas.
Isso porque essas "análises aprofundadas" eles mesmos sempre se recusaram a fazer.
É desculpa esfarrapada para aceitar essas obras fake como "autênticas". Tudo pode ser falso e haver divergências de estilo, mas é só haver mensagens tipo "sejamos irmãos em Cristo" para que tais obras sejam aceitas sem contestação.
Isso é carteirada religiosa. Se for assim, então um assaltante pode render uma pessoa e, em vez de dizer, "passe a grana e o celular", vai dizer "seja irmão em Cristo e dê tudo pelo pão dos pobres". O crime deixará de ocorrer com isso?
Infelizmente, a armação deu certo e hoje os "médiuns" são muito mais blindados que os políticos do PSDB.
Hoje a FEB sempre tem suas instalações na Bienal do Livro (ver fotos), e o farsante Chico Xavier virou um "grande nome da nossa literatura".
Obras fake que desfiguram estilos pessoais de poetas e escritores falecidos, rebaixados a propagandistas do igrejismo "espírita", são livremente publicadas.
As obras originais de Humberto de Campos praticamente desapareceram. Apenas alguns de seus livros possuem alguma disponibilidade em sebos de livros e páginas da Internet.
Mas as do pseudo-Humberto de Campos da FEB continuam livres e de fácil acesso nas livrarias de todo o país.
E tudo isso por causa da carteirada religiosa. Se uma obra falsa traz "ensinamentos cristãos", ela vira "autêntica".
Coitado do Humberto de Campos, rebaixado a um sacerdote de igreja, com obras de conteúdo bíblico ou de pregações moralistas retrógradas.
Ele nunca foi isso. Mas, fazer o quê, os "médiuns" estão acima de tudo, até da coerência, da ética, da lógica e do bom senso.
A solução que temos é abrir mãos dos nossos cérebros e orar. O "espiritismo" brasileiro jogou a lógica e o bom senso de Kardec na lata de lixo.
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