(Por Demétrio Correia)
Preocupado em defender Chico Xavier, um chiquista "independente" (se diz umbandista, mas sente simpatia pelo "médium"), cometeu um equívoco.
O sujeito, Jorge Caetano Júnior, escreveu um artigo "científico" sobre Parnaso de Além-Túmulo.
Não bastasse querer que as pessoas lutem pela "autenticidade" de Parnaso de Além-Túmulo, ele tenta autenticar um poema apenas pelas "semelhanças mais impressionantes".
É um equívoco querer lutar pela "autenticação" porque foram identificados, por especialistas sérios, várias irregularidades nos poemas "espirituais" publicados.
É querer que se prove, por exemplo, que coelho é ovíparo, gera ovos de chocolate que, quando quebram, de lá sai um carrinho de brinquedo.
Não se pode "querer" que um livro seja autêntico ou não só porque gosta de quem o lançou, porque o prestígio religioso não é garantia de veracidade alguma e, se o livro aponta irregularidades comprovadas, não há como apelar para "autenticá-lo".
Um dos poemas que Jorge utiliza para sustentar sua tese é "A Terra".
O poema é atribuído ao espírito do poeta ultrarromântico Casimiro de Abreu (1837-1860), nome imortalizado por um município da Região dos Lagos.
Jorge atribui ao poema "semelhanças impressionantes" ao estilo original do autor.
No entanto, identifica-se nele apenas semelhanças superficiais.
Embora elas pareçam verossímeis, elas não garantem veracidade só porque certos versos publicados em vida se "identificam" com os da suposta obra espiritual.
O tema, de tão genérico e ao gosto ideológico de Chico Xavier, também poderia ser atribuído, "sem problemas", ao espírito do poeta baiano Castro Alves, supostamente sem prejuízo ao estilo deste.
Vamos reproduzir o poema "A Terra", mas, antes, o poema inteiro "Saudades", do qual Jorge só reproduziu as duas primeiras estrofes.
Abaixo há o poema supostamente espiritual, que, com todo o esforço de reproduzir o estilo original do autor, revela-se, depois de uma segunda leitura, apenas uma semelhança típica de imitação.
Um dado irregular pequeno se mostra, nos versos da penúltima estrofe, não reproduzida por Jorge Caetano (ele também só se lembrou de reproduzir duas primeiras estrofes).
É quando se fala "E enche-se de esperanças / Para sofrer e lutar".
Isso não é Casimiro de Abreu.
É Chico Xavier, devoto da Teologia do Sofrimento, que sempre viu na desgraça humana um "atalho para o céu".
Esta teologia é uma corrente medieval da Igreja Católica, popularizada por Madre Teresa de Calcutá e, não sendo unanimidade entre os católicos, é no entanto de agrado a setores ultraconservadores da seita.
Chico Xavier inseriu a Teologia do Sofrimento no "movimento espírita", reforçando o caráter conservador já herdado do roustanguismo.
Os referidos versos, portanto, derrubam a veracidade do poema, pelo fato de que Casimiro de Abreu nunca teria defendido tais ideias.
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Saudades - Casimiro de Abreu
Nas horas mortas da noite
Como é doce o meditar
Quando as estrelas cintilam
Nas ondas quietas do mar;
Quando a lua majestosa
Surgindo linda e formosa,
Como donzela vaidosa
Nas águas se vai mirar!
Nessas horas de silêncio
De tristezas e de amor,
Eu gosto de ouvir ao longe,
Cheio de mágoa e de dor,
O sino do campanário
Que fala tão solitário
Com esse som mortuário
Que nos enche de pavor.
Então — Proscrito e sozinho —
Eu solto aos ecos da serra
Suspiros dessa saudade
Que no meu peito se encerra
Esses prantos de amargores
São prantos cheios de dores:
— Saudades — Dos meus amores
— Saudades — Da minha terra!
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A Terra - Francisco Cândido Xavier, atribuído ao espírito de Casimiro de Abreu
Aos pessimistas
Se há noite escura na Terra,
Onde rugem tempestades,
Se há tristezas, se há saudades,
Amargura e dissabor,
Também há dias dourados
De sol e de melodias,
Esperanças e alegrias,
Canções de eterno fulgor!
A Terra é um mundo ditoso,
Um paraíso de amores,
Jardim de risos e flores
Rolando no céu azul.
Um hino de força e vida
Palpita em suas entranhas,
Retumba pelas montanhas,
Ecoa de Norte a Sul.
Os sonhos da mocidade,
As galas da Natureza,
Livro de excelsa beleza
Com páginas de esplendor,
Onde as histórias são cantos
De gárrulos passarinhos,
Onde as gravuras são ninhos
Estampados no verdor;
Onde há reis que são poetas,
E trovadores alados,
Heróis ternos, namorados,
Gargantas de ouro a cantar,
Saudando a aurora que surge
Como ninfa luminosa,
A olhar-se toda orgulhosa
No espelho do grande mar!
Onde as princesas são flores,
Que se beijam luzidias,
Perfumando as pradarias
Com seu hálito de amor;
Desabrochando às centenas,
Na estrada onde o homem passa,
Oferecendo-lhe graça,
Sorrindo, cheias de olor.
O dia todo é alvorada
De doces encantamentos;
A noite, deslumbramentos
Da Lua, em seus brancos véus!
A tarde oscula as estrelas,
Os astros o Sol-nascente,
O Sol o prado ridente,
O prado perfuma os céus!...
Quem vive num éden desses,
É sempre risonho e forte,
Jamais almeja que a morte
Na vida o venha tragar;
Sabe encontrar a ventura
Nesse jardim de pujanças,
E enche-se de esperanças
Para sofrer e lutar.
Se há noite escura na Terra,
Abarrotada de dores,
De lágrimas e amargores,
De triste e rude carpir,
Também há dias dourados
De juventude e esplendores,
De aromas, risos e flores,
De áureos sonhos no porvir!...
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