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Amoralidade não é sinônimo de amor

(Por Demétrio Correia)

A mensagem apócrifa, atribuída ao morto, apresenta irregularidades severas e graves em relação a seus aspectos pessoais.

Elas traem a individualidade e o empenho pessoal que o falecido exerceu em vida.

Seus pensamentos dão lugar aos do "médium", e mesmo um agnosticismo moderado dá lugar a um entusiasmado igrejismo.

Mas muitos se assustam diante da ideia de que estas supostas mensagens mediúnicas sejam fraudulentas.

Reagindo como velhos beatos católicos, da linha católico-apostólico-romana (medieval), os "espíritas" até chegam a dar tapas na boca só de cogitar a hipótese de fraude.

Mas ela ocorre, sim. Questão de lógica.

O espírito Erasto, que nos tempos de Allan Kardec, alertou sobre as deturpações da Doutrina Espírita, inclusive prevenindo que elas viriam dissimuladas pelo "amor" e "caridade", havia avisado sobre o lado sombrio de um suposto médium.

"Conheces todos os segredos da sua alma? Além disso, sem ser vicioso ele pode ser leviano e frívolo", disse Erasto, em sua mensagem, publicada em O Livro dos Médiuns, de Allan Kardec, na tradução de José Herculano Pires.

O que essa mensagem de Erasto quer dizer?

Quer dizer que o "médium" pode não ser um farsante declarado ("sem ser vicioso"), podendo até ter uma ocupação honesta, mas pode ser leviano e frívolo quando desempenha atividades "espíritas".

Os brasileiros desprezaram os conselhos de Erasto. Caíram na orgia sedutora da paixão religiosa, hipnotizados por melodias melífluas, palavras açucaradas, imagens dóceis.

Até quem critica a deturpação do Espiritismo se sente tentado a poupar os deturpadores.

Criticamos o crime sem apontar os criminosos.

Permitimos que mensagens falsas sejam publicadas impunemente, usurpando a identidade de um morto, em muitos casos, para fazer lotar "casas espíritas" e promover sensacionalismo.

Essa permissividade é justificada sempre por "mensagens de amor" e "atos de caridade", como se a amoralidade fosse sinônimo de amor.

Não é.

Não é conveniente haver esse vale-tudo da pseudo-mediunidade que se vê claramente que não reflete a natureza pessoal do morto a que se atribui autoria.

Deixemos de tolices de dizer que isso é "linguagem universal do amor" ou alegar que o espírito, de tão comovido, se esqueceu do próprio talento ou que o doou à "caridade", preferindo, no além, transmitir uma mensagem igrejeira qualquer nota.

Amoralidade é ausência de moral, veiculando mensagens que "não parecem más", mas que à primeira vista "parecem muito boas".

Se o falso Humberto de Campos trazido por Francisco Cândido Xavier destoa do original, mais parecendo um pároco de Uberaba do que um escritor maranhense, mas "não traz mensagens ofensivas", muitos aceitam isso numa boa.

Chico Xavier até fez o possível para seduzir os familiares de Humberto de Campos.

O "médium" se valeu do saudosismo da mãe, Ana de Campos Veras, ao filho morto, e mandou uma carta com a foto do escritor.

Chico redigiu, juntamente com o então presidente da FEB, Antônio Wantuil de Freitas, cartas ao cético Humberto de Campos Filho caprichando na mais típica linguagem paternal.

Para evitar desconfianças, se dispunham de outros redatores e pesquisadores, e de consultores literários.

Daí que tinham que rechear as mensagens do suposto Humberto com tantas referências pessoais.

Era muita pesquisa bibliográfica e biográfica. Tudo para botar as informações mais sutis possíveis.

E aí, no caso das "cartas para o filho", caprichar naquela linguagem qualquer nota de um suposto pai saudoso, amoroso com o filho, zeloso com a família, dentro daqueles clichês de todo pai quando escreve uma mensagem assim.

Aí os brasileiros acham isso lindo e se reduzem a reles chafarizes humanos, com tanto derramamento de lágrimas diante de comoções fáceis por nada.

E acham que tudo isso é amor.

Não é. É amoralidade. Uma molecagem, que pelo oportunismo já se evolui (ou involui?) para a imoralidade.

Usurpar os nomes dos mortos é um ato deplorável e desonesto, ao qual não cabe dissimular com pretextos de suposto amor e pretensa caridade.

Enganar é sempre desonesto, e quanto mais um ato desonesto se apoia com pretextos que se dizem nobres, torna-se ainda mais deplorável.

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