(Por Demétrio Correia)
Não é boa ideia o palestrante "espírita" fazer apologia ao sofrimento.
Mas ele faz, e faz pior, por mais que embeleze todo seu discurso com as mais dóceis palavras.
Mesmo através de palavras bonitas e amigáveis, ele arranca o couro do sofredor.
O sofredor primeiro se desilude, abrindo mão de suas primeiras ilusões.
Cria novas habilidades, novos planos de vida, novos interesses. Mesmo assim, uma nova carga de desilusões o surpreende.
Barreiras intransponíveis, empecilhos insuperáveis, obstáculos difíceis de serem derrubados.
O sofredor não pode exercer seus potenciais e tem que se "reinventar".
Acaba virando brinquedo das adversidades, até que ele se torna escravo das ilusões dos outros.
Deixa de lado suas habilidades, afinal, as oportunidades são outras, mais duras, mais precárias.
Se ele usa suas habilidades, não será da mesma forma, e ele deve tomar cuidado para não haver aproveitadores.
O "espírita" acha tudo isso ótimo, o outro sofrendo, tendo que mudar seus planos de vida o tempo inteiro, perdendo décadas com mais paciência que empenho.
Até para ajudar alguém tem que enfrentar primeiro graves conflitos.
Se o sofredor, homem ou mulher, obtém um cônjuge não por afinidades, mas por conveniências das circunstâncias, perde-se muito tempo resolvendo graves desavenças sociais.
É a namorada fútil de um rapaz pacato, ou o marido violento da mulher decente, tanto tempo se perdendo resolvendo graves desavenças domésticas.
Quantos planos de vida adiados. E os "espíritas" acham bom.
Só porque existe vida eterna e reencarnação, não significa que possamos tratar uma encarnação como um lixo, desperdiçando-a com tantas desgraças.
O sofrimento nem sempre traz vencedores, triunfantes. Ele pode formar tiranos, bandidos, estelionatários, enganadores, e sobretudo suicidas.
Não adianta o "espírita" dizer: "Não se suicide! Não vale a pena! Aguente o sofrimento, estabeleça o diálogo, tenha fé, que as bênçãos virão!".
Falar é fácil e talvez não fosse boa ideia teorizar o sofrimento.
Afinal, é um grande vexame o "espiritismo" brasileiro, que se diz tão zeloso pelo legado de Allan Kardec, preferir professar a Teologia do Sofrimento, sem assumir esse nome.
Se chocam quando são assim alertados: "amigos, vocês defendem a Teologia do Sofrimento, é isso que se vê nas ideias que transmitem".
Choram diante de tal constatação. Os "espíritas" fazem algo, não assumem isso e ainda choramingam quando são avisados de tal atitude.
E se chocariam mais ainda sobre o quanto de suicídios eles podem ter provocado sem querer.
Isso porque, ao dizer "aguente o sofrimento, ame a desgraça, abandone tudo e tenha fé e esperança nas bênçãos futuras", o sofredor vê isso com indiferença.
O sofredor quer se livrar do sofrimento, afinal ele o debilita, o impede de se realizar na vida.
Ninguém se suicida por diversão, porque acha legal perfurar o corpo com uma facada ou bala de revólver, ou porque acha o máximo apertar o pescoço com a corda de uma forca.
Insensíveis, os "espíritas" ainda acusam, no seu juízo de valor, o sofredor de ser um "endividado" de vidas passadas, que tem que pagar com juros com uma encarnação inteira ou quase toda de desgraças.
Mais desgraçado é o "espírita" que se acha no direito de julgar os outros.
Os mais "sábios" são os mais desgraçados, porque, ao pedir aos sofredores aguentarem as desgraças, é porque os "espíritas" não as sofrem.
Não sabem o que é juntar forças todo dia para fazer coisas das mais difíceis com depressão.
Não sabem o que é levar sobressaltos na vida, seja com um cyberbully criando um blog de ofensas, seja com um patrão prepotente e abusivo.
Não sabe o que é uma moça serviçal, que no caminho do trabalho, é surpreendida por um estuprador, que a ataca de maneira violenta e cruel.
O palestrante "espírita" que diz que "sofrer é tão bonito" vive da confortável situação de fazer palestrinhas, preparar palavras bonitinhas para escrever ou para falar em público.
Viaja, em muitos casos com o dinheiro da "caridade", e de vez em quando expõe para plateias ricas, na espera de que os endinheirados lhe concedam medalhas, diplomas e troféus.
E ainda se acha humilde com isso.
Tão lambuzado pelo açúcar das próprias palavras e pela emoção alegre das situações que lhe são favoráveis, o "espírita" não sabe o sofrimento que recomenda a outrem aceitar sem queixas.
Se o palestrante "espírita" um dia retornar para a chamada "pátria espiritual", que surpresas desagradáveis lhe reservarão por causa da Teologia do Sofrimento.
Ver que seus apelos para os sofredores não se suicidarem foram em vão lhes causará o choque de quem vive o final de um pesadelo.
Afinal, quem mandou pedir para os sofredores continuarem sofrendo, sob a desculpa de que eles serão abençoados no dia seguinte? E mesmo com as mais enfeitadas palavras?
Muitas vezes, até boas palavras ferem e entristecem, mais do que trazem esperanças.
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