(Por Demétrio Correia)
No "espiritismo" que temos, o palestrante é alguém sempre preocupado com a posse da palavra final.
Julgando-se vinculado a Deus, ele tenta driblar os questionamentos para que somente o seu prevaleça, sob a desculpa de que "expressa a bondade e a paz".
Ele tenta trazer um discurso "equilibrado", falsamente lógico, religiosamente apelativo, convencendo os outros a aguentarem o sofrimento, as angústias, as desgraças.
Ele tenta montar um discurso que "valha para todos", mas ele sutilmente faz suas diferenças.
Aos ricos, o palestrante "espírita" é só "gratidão", se dizendo "surpreso" pela "grande disposição" dos endinheirados pela aparente filantropia.
Aos pobres, o palestrante "espírita" diz para elas abrirem mão dos desejos, pedindo para que eles "SEJAM" mais do que "QUEIRAM TER".
Que maravilhoso parece a retórica de um palestrante que diz para as pessoas se preocuparem menos com o TER e mais com o SER.
Para quem sofre muitas desgraças, é fácil dizer isso.
O palestrante "espírita" não sofre.
Ele vive do conforto. Escreve livros que vendem consideravelmente, palestras que rendem uma grana, faz excursões só para expor seu baile de belas palavras, ganha prêmios diversos das elites.
É apenas um confeiteiro das palavras, confiante demais nos seus "bons sentimentos".
Por isso é fácil ele dizer, ao outro que sofre, que aguente o sofrimento.
Tem coragem até de dizer ao sofredor que suas angústias são desnecessárias.
Pede ao sofredor para amar as desgraças, sob a desculpa que assim as graças, não se sabe de que forma ou outro aspecto, virão.
Ele pede para o sofredor SER e não TER, ignorando que o sofredor sabe das limitações de seus desejos e necessidades.
O sofredor já abriu mão de muita coisa, e para o palestrante "espírita", pouco importa se o sofredor tenha que ceder tudo até nada sobrar.
Mas o palestrante "espírita" também quer TER mais do que SER.
Ele quer TER prestígio religioso, quer TER a palavra final, a réplica final das questões da vida.
Ele recusa-se a admitir o que É, um roustanguista, um católico extremado, e é capaz de bajular ao mesmo tempo figuras antagônicas como Emmanuel e Erasto.
Ele não quer SER roustanguista, porque acha o nome do igrejeiro Jean-Baptiste Roustaing "muito feio" e de lembrança "infeliz".
Quer ser o que NÃO É: um kardeciano rigoroso, ainda que esteja perdido em apelos "fraternais" que parecem bonitos, mas são muito preguiçosos.
E quer TER também o Céu, porque se ilude com a falsa humildade e o falso desapego.
Acha que abre mão das glórias terrenas, dos bens materiais, das ilusões orgiásticas, da fortuna, dos aplausos alheios.
Mas quanta ilusão não é a crença de que terá coisas similares no mundo espiritual.
Quanta ilusão seu prestígio religioso esconde por baixo do tapete.
Quantas fantasias de um paraíso celestial em que Jesus Cristo está sempre se preparando para receber um "espírita" no retorno ao além-túmulo.
Quanta ilusão está na expectativa de que no além-túmulo haverá cerimônias de condecorações, medalhas, discursos, corais de anjos cantando, e os parentes e amigos da escolha do falecido lhe esperando como familiares no desembarque do aeroporto.
Quanta ilusão o palestrante "espírita", amigo da deturpação, sonha diante da esperança de NÃO TER na Terra, porque TERÁ no mundo espiritual.
Ainda que sejam coisas que ele acredite diferentes das orgias mundanas.
São todavia, na essência, as mesmas orgias, sem o ato sexual, a farra das fortunas ou o narcótico das substâncias entorpecentes e alucinógenas.
Porém, é o mesmo orgasmo, desta vez, vindo nos olhos, das lágimas da comoção fácil por pouca coisa, das fortunas virtuais das "bênçãos", do narcótico da fé mistificadora.
Ah, quanta ilusão tem o palestrante "espírita". Que se apressa em ter a posse da palavra final, na esperança de que lhe entreguem as chaves para o Céu, em breve.
E toda essa fantasia só lhe será desfeita quando ele ver como será o além-túmulo.
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