(Por Demétrio Correia)
O discurso de "fraternidade" através da religião, inclusive a "espírita", é muito bonito, mas na prática não tem serventia.
Afinal, vamos ser "fraternos" em que direção? Fica mais parecendo o discurso do rebanho. Ou do gado.
Não é à toa que o velho catolicismo sempre comparava a fraternidade a um rebanho.
Na pecuária, não há uma diferença profunda entre rebanho e gado.
Fala-se em igualdade, mas não se fala no respeito às diferenças. Até porque a retórica "fraterna" sempre comemora quando pessoas sem a menor afinidade entre si se unem forçados pelas conveniências.
O pregador religioso até diz reconhecer diversidades e diferenças, mas apela sempre para a "fraternidade" como se preocupassem em igualar sempre as pessoas.
Ele quer juntar rebanho, e é por isso que o discurso de "fraternidade" é estranho.
É um discurso que despreza individualidades, diferenças, divergências.
Pouco importa para o pregador religioso se as pessoas se unem à força dos interesses e não pelas afinidades naturais.
Os "espíritas", então, se exaltam. Acham que o espetáculo da "fraternidade" se realizará no drama dos conflitos e das divergências irresolúveis.
Se ocorreu alguma violência, culpa-se a vítima, acusada de merecer um "reajuste espiritual" pela tragédia sofrida.
Só que esse discurso de "fraternidade" não resolve ódios nem animosidades.
Chega a ser um discurso chato, diga-se de passagem.
Dizer para "sermos todos irmãos" não vai estimular que sejamos realmente fraternos.
Isso mais parece um apelo igrejista, que nem de longe acalma ou consola, a não ser quem está tomado da mística religiosa, e mesmo assim entre seus pares.
O discurso pode até gerar efeitos contrários.
Apelando pela "igualdade", acentua-se a aversão nas divergências.
Apelando pela "união", estimula-se rompimentos tensos e obsessivos.
Forçando o "entendimento", só consegue agravar as desavenças.
Pedindo a "paz", não conseguem senão abrir caminho para guerras.
Pedindo para "todos sermos irmãos", transformamos as multidões em coletivos de pessoas estranhas e solitárias.
A mística religiosa nem sempre é agradável, e as seitas religiosas, conservadoras, são indiferentes às transformações do tempo e às novas demandas sociais.
Não raro as religiões param no tempo, e seus seguidores, apegados a elas, se tornam fanáticos, obscurantistas e, diante das mudanças que não aceitam, mais violentos.
Não é necessário uma força-tarefa de palavras bonitas para promover a paz e a fraternidade.
Teoria demais acaba desencorajando a prática e invertendo os efeitos que seriam esperados.
Melhor seria que a vida mostrasse as formas de resolver tensões, divergências, conflitos e carências.
Seria melhor que a injustiça social seja resolvida sem o filtro da religião.
A razão permite, mais que a fé, verificar os problemas mais delicados que atingem e afligem a sociedade.
Melhor que a vida, na sua prática cotidiana, promova a paz e a fraternidade sem que fosse preciso o espetáculo coreográfico das palavras piegas.
A verdadeira fraternidade se resolve combatendo as injustiças sociais e regulando as necessidades humanas, para que uns não queiram mais do que necessitem e muitos tenham que perder até o que mais precisam para sobreviver.
A verdadeira fraternidade tem aspectos que escapam à compreensão religiosa e que, por isso, revelam a complexidade da vida humana e sua complicada coletividade.
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