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"Caridade paliativa": quando a bondade deve ser vista com cautela

(Por Demétrio Correia)

Muito se ouve dizer: "O médium deturpou a obra de Kardec, é verdade, mas pelo menos ele vale pela bondade".

Ou então: "O cara entendeu mal a Doutrina Espírita, mas seu maior mérito é a bondade".

Vamos pôr os pés atrás nessa conversa.

Afinal, há muita coisa errada no ofício do médium no Brasil e não vale usar a bondade como desculpa para passar por cima de tudo isso.

Os erros são graves e merecem crítica e não aceitar a alta reputação dos médiuns dotados de estrelismo e culto à personalidade.

Devemos analisar, também, a que nível é a "bondade" deles.

Temos uma noção errada de bondade, que é medida pelo prestígio do benfeitor e não pela quantidade e qualidade dos beneficiados.

Festejamos demais uma "caridade" que nos parece muito linda e comovente, mas é fajuta e inócua.

Ainda mantemos em nossas memórias a figura da fada-madrinha socorrendo a Gata Borralheira.

Esquecemos de algo que se chama "caridade paliativa".

Uma "caridade" que não desafia o sistema de injustiças sociais e mas parece propaganda para promover o benfeitor, que festeja mais e ajuda menos.

Há quase dois anos, uma reportagem do Fantástico sobre Divaldo Franco inspirou um grande papelão.

As pessoas passaram a definir Divaldo Franco como "maior filantropo do Brasil" através de uma aparente filantropia que não chega a 1% da população de Salvador, quanto mais de todo o Brasil.

E o projeto pedagógico de sua Mansão do Caminho não é algo que difira da educação anódina proposta pela Escola Sem Partido.

E Divaldo é definido, por isso, como "transformador" e "revolucionário". Assim, de graça, do nada.

Muitos festejam sem saber por que comemoram tanto e endeusam tanto o "médium".

O real motivo de tudo isso é o prestígio religioso.

Pouco importam os beneficiados ou a qualidade do benefício. Importa é festejar a beneficência pelo prestígio do benfeitor e esquecer quantos e como foram os beneficiados.

Muitos astros do "espiritismo" brasileiro são festejados e comemorados por fazerem muito pouco.

Vejamos os projetos filantrópicos e assistenciais.

As famílias pobres que aparecem para receber donativos são sempre as mesmas.

Se os pobres que vão receber donativos, como roupas usadas, e outros benefícios, como sopas, são os mesmos, é sinal que a caridade falhou.

Isso é "caridade paliativa". Ela não resolve. Ela só traz benefícios provisórios ou, se permanentes, muito frouxos ou inócuos.

A pedagogia da Mansão do Caminho, que se encaixaria nos padrões da Escola Sem Partido, só ensina as pessoas a serem "apenas alguém na multidão".

Nada traz de transformador ou revolucionário, apenas cria cidadãos inofensivos que não fazem coisas ruins, mas também estão longe de serem pessoas grandiosas.

As pessoas acham isso "até excelente demais" porque querem proteger o prestígio de seu ídolo religioso.

Precisam glorificá-lo, se incomodam em ver o ídolo saindo do pedestal e sendo duramente criticado por alguma coisa.

Até se esse ídolo jogar um alfinete no chão é alvo de aplausos efusivos.

Se esse ídolo espirrar, mesmo assim a plateia é capaz de se levantar e aplaudir de pé.

As pessoas medem a bondade pelo benfeitor e pouco lhe importam os beneficiados.

Finge-se que alguma limitação "de nada" ocorreu para que os beneficiados fossem poucos e os benefícios, inexpressivos.

Mas no fundo o que está em jogo mesmo é a idolatria, a adulação.

Daí que a "caridade paliativa" não é mais do que propaganda do benfeitor, é uma "bondade" que está mais a serviço da vaidade de quem concede do que do amor ao próximo.

O amor ao próximo acaba se tornando "apenas um detalhe", diante do endeusamento do benfeitor.

E o "espiritismo" ganha em estrelismo e culto à personalidade do que muita celebridade.

Tem ator de Hollywood que faz projetos filantrópicos sem alarde, e procura beneficiar as pessoas até fazendo certa publicidade, mas nunca estando acima dos beneficiados.

Tem socialite de São Paulo que faz festa beneficente e ela controla rigorosamente a grana arrecadada e vai ela mesma oferecer aos necessitados, procurando tirá-los da situação.

Já a "caridade espírita" muitas vezes não tira o pobre da miséria, criando apenas uma "qualidade de vida" provisória. Ou, quando muito, apenas transforma o cidadão em alguém inofensivo que apenas "sobrevive" com sustento próprio.

A Mansão do Caminho, como projeto "filantrópico e pedagógico", não afronta a realidade terrível do governo Temer, com a precarização do trabalho e a reforma do ensino médio.

Ela produziria cidadãos que "pudessem viver" resignados com o trabalho terceirizado, a Escola Sem Partido e a prevalência do negociado sobre o legislado que aumentaria a prepotência dos patrões.

Para o "espiritismo" que sempre pede aos "de baixo" a perdoarem e beneficiarem aqueles que abusam "do alto" da pirâmide social, não há como definir como "transformador" o projeto da Mansão do Caminho.

Isso vindo de alguém que só se dirige às elites, que lhes dão medalhas e condecorações, para adulá-las e nunca para cobrar de maneira séria e firme alguma atitude.

Temos que deixar as paixões religiosas de lado. Essas paixões são tão perigosas, levianas e traiçoeiras quanto as paixões da luxúria, da fortuna e da ganância.

Temos que ver a bondada não pelo prestígio do benfeitor, mas pelos resultados obtidos.

Se os resultados são medíocres, pouco importam as coreografias de palavras comoventes que o benfeitor faz desfilar em suas verborrágicas palestras.

Pouco importa o entretenimento das palavras bonitas e de toda aura de relaxamento e boas energias.

Se há a "caridade paliativa" que só serve para impressionar as massas e trazer mais comoção do que ajuda ao próximo, então é uma bondade frouxa que não merece a euforia que recebe.

Se não abrirmos mão das ilusões, cairemos da cama depois de sonhar com tantas belas palavras do tal ídolo religioso.

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