(Por Demétrio Correia)
Há pelo menos vinte anos, as críticas à deturpação do Espiritismo se tornaram mais amplas, graças à Internet.
Não poucas foram as vozes que alertaram sobre os equívocos de um "espiritismo" no qual a evocação de Allan Kardec é uma mera fachada.
Análises bastante corretas e corajosas mostram trechos de livros produzidos pelo "espiritismo" brasileiro que entram em conflito com os postulados kardecianos.
Comparações de livros de Francisco Cândido Xavier e Divaldo Pereira Franco com a bibliografia de Kardec mostram claras contradições, várias delas graves.
Mas são poucos os esforços que resistem neste sentido.
Fora aqueles que morrem no caminho (como Jorge Murta e José Manuel Barbosa, este de Nova Friburgo), é muito fácil o crítico da deturpação parar no meio do caminho.
De repente, muitos param no caminho mais fácil do processo de questionar a deturpação: analisar as contradições da bibliografia chiquista-divaldista com os postulados kardecianos.
E por que param no caminho e não avançam nos questionamentos?
Aí vem um dos maiores problemas que garantem a impunidade do "espiritismo" igrejista: o "apelo à emoção", discurso falacioso que é certeiro em conquistar mentes pouco vigilantes.
Quando os questionamentos começam a se tornar mais profundos, os "espíritas" lançam a carta na manga: imagens e palavras que evocam "sentimentos lindos".
Aí é como tirar doce de criança.
Foi isso que garantiu a impunidade de Chico Xavier, originalmente um misto de beato católico, caipira ultraconservador e arrivista ambicioso que fez carreira com pastiches literários.
Seu arrivismo foi tanto que ele aproveitou recursos do ilusionismo circense e da persuasão discursiva para se tornar a "unanimidade" que se tornou no Brasil e no mundo.
Usava a "leitura fria", técnica de entrevista no qual o entrevistador colhe informações não só de relatos do entrevistado mas da forma como ele os comunica, para rechear falsas psicografias.
Usava técnicas como o vitimismo e o triunfalismo, daí que reagia quase sempre quieto e triste a todo um turbilhão de críticas e denúncias contra ele.
É bom tomarmos cuidado com Chico Xavier, mesmo depois de morto.
Ele passou a usar óculos escuros não apenas para corrigir um problema de visão, mas para esconder os olhos perversos de olhar muito agressivo.
Há uma foto dele olhando de frente, publicada em 1935 no jornal O Globo, que mostra um semblante assustador, maligno.
Dizem que ele estava "incorporando" alguém.
Naquela época ele ainda não usava o recurso publicitário que o fez "o maior líder religioso do Brasil", mas indicava o quanto ele era traiçoeiro e esperto.
E ele, católico de crenças medievais, que tinha no retrógrado padre Manuel da Nóbrega seu ídolo maior - tanto que conversava com o espírito dele, depois rebatizado Emmanuel - , lembrava de uma falácia muito usada na Idade Média.
A falácia do Argumentum Ad Passiones. Ou apenas Ad Passiones. Em latim, "apelo à emoção".
Uma peça teatral narrando polêmicas intelectuais do livro de pastiches poéticos, Parnaso de Além-Túmulo, foi usado esse discurso, associado ao discurso de vitimismo do "médium" mineiro.
Enquanto haviam críticos literários despejando comentários enérgicos contra o livro, cita-se a biografia de Chico Xavier com pleno uso do Ad Passiones.
Vinham slides de Chico Xavier com sorrisos tristonhos, ou "psicografando", ou acolhendo crianças, velhinhos e gente pobre em geral.
É o discurso de "bondade", dentro do prisma conservador da "caridade paliativa", que só serve para impressionar as massas, produzindo mais lágrimas no público do que benefício aos necessitados.
É uma "bondade" que coloca o benfeitor acima dos beneficiados.
Ainda se vai questionar esse modelo de "bondade" que muitos, ingenuamente, consideram "superior".
Essa "bondade" é um apelo publicitário.
Diante da deturpação da Doutrina Espírita, na qual Chico Xavier e Divaldo Franco são, sim, os piores e mais preocupantes exemplos, o bom-mocismo é a estratégia para arrancar apoio das pessoas.
A imagem do "caipira ingênuo" de Chico Xavier influiu muito para os juízes do caso Humberto de Campos não punirem o "médium", mesmo quando as irregularidades eram comprovadas até pelo advogado dos herdeiros do escritor, Milton Barbosa.
Ele mesmo observava cacófatos e outros vícios de linguagem que, com toda certeza, Humberto de Campos nunca teria escrito, nem quando usava pseudônimos.
Tudo isso se deixou passar e os livros do pseudo-Humberto são publicados até hoje, como uma "bibliografia paralela" que apenas os burocratas da Academia Brasileira de Letras não reconhecem.
Isso se deu porque Chico Xavier usou sua técnica habilidosa: o coitadismo, o vitimismo, as "belas palavras", as "belas imagens".
O "espiritismo" deturpador sempre tem um recurso para espantar os questionadores.
Imagens associadas à "bondade", aparente filantropia, a ponto do "espiritismo" se autoproclamar a "religião da bondade".
E os contestadores de coração pouco vigilante, frágil e mole, param quando seus questionamentos atingem os ídolos do "movimento espírita".
Houve quem, iludido com a "bondade" de Chico Xavier e Divaldo Franco, dissesse que as "mediunidades" dos dois eram "100% confiáveis".
Sabemos que não, e nem de longe. Até dizer que eram 50% confiáveis era complacência demais.
Um grupo de acadêmicos "espíritas" da Universidade Federal de Juiz de Fora, na prática um fã-clube de Chico Xavier, atestou que 98% de sua "psicografia" era confiável!
Enquanto isso, irregularidades se deixam passar.
E aí há o erro dos questionadores da deturpação da Doutrina Espírita.
Basta eles apenas apontarem equívocos em livros ou não aproveitar os livros de Emmanuel?
Até que ponto os questionadores aceitam mitos como "colônias espirituais" e "crianças-índigo" que Allan Kardec nunca supôs uma possível existência?
E até que ponto Chico Xavier e Divaldo Franco são aceitos por aqueles que se esforçam para recuperar as bases doutrinárias?
Os dois ficarão apenas como "enfeite", só porque são "bonzinhos"?
Ou os críticos da deturpação serão tentados a ler as obras dos "admiráveis médiuns", e de leitura em leitura abrirem mão das críticas que tão racionalmente fizeram a eles?
Esse recuo, motivado por paradigmas de "amor" e "bondade", acaba revelando a complacência infantil dos brasileiros aos ídolos religiosos.
E acaba se tornando um desserviço ao legado de Allan Kardec, que com tanto trabalho e dificuldades estabeleceu sua obra, marcada pela lógica, transparência e bom senso.
Tudo para ser empastelado impunemente em favor de uns meros ídolos religiosos, associados a uma ideia de "bondade" que não passa de mito e propaganda.
Assim não dá para recuperar os postulados originais da Doutrina Espírita.
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